Chegámos ao período da Black Friday, a época do ano em que, por todo o lado, praticamente todas as lojas e marcas brindam os clientes, de qualquer idade, com promoções para todos os gostos.
Importa relembrar os potenciais impactos negativos do consumismo excessivo no bem-estar psicológico dos consumidores.
Este evento anual, conhecido por ofertas tentadoras, pode desencadear comportamentos compulsivos de compra, especialmente em alguns indivíduos.
Sendo dezembro sinónimo de Natal, novembro é, cada vez mais, sinónimo de Black Friday.
Que processos cognitivos justificam e impelem os consumidores a adquirir produtos que muitas vezes não necessitam, em épocas de saldos e promoções?
Num dia dito normal, garantidamente não vamos a um centro comercial apressados ou ansiosos por perceber se determinado produto ainda existe ou está em promoção.
Somos mais ponderados e relaxados nas nossas decisões para adquirir bens ou produtos.
Quando sentimos que somos parte de “algo maior” e nos tornamos anónimos no meio da multidão, somos também mais direcionados a acompanhá-la. Tomamos decisões e atitudes que não teríamos isoladamente e quase não nos questionamos verdadeiramente sobre o que estamos a fazer, em que é que estamos a alinhar.
Embora a Black Friday em Portugal não tenha protagonizado, até aqui, episódios muito extremados, a corrida às lojas tem ganho cada vez mais adeptos.
A ação de compra generalizada impele-nos a seguir os outros e a ter pensamentos de natureza: "… toda a gente a comprar... as oportunidades são mesmo boas… também devo aproveitar".
Terá que ser assim?
“O psicólogo francês, Gustave Le Bon, foi pioneiro em abordar a desindividuação quando em 1895 publicou "A Psicologia das Multidões". A obra trouxe perspetivas inovadoras para a época, mencionando já a maneira como somos compelidos a imitar as ações da multidão quando estamos inseguros ou hesitantes quanto ao que devemos fazer em determinada circunstância. Na dúvida, o instinto leva-nos a seguir o coletivo, e é precisamente este tipo de influência exercida sobre nós pelo movimento Black Friday.”
É como se tivéssemos medo de perder a oportunidade - outro elemento que exerce um forte condicionamento sobre nós, consumidores, e aumenta o nosso grau de impulsividade e predisposição para a compra.
A partir do momento em que as marcas lançam promoções a garantir algo como "descontos únicos e imperdíveis", é despertada a curiosidade e a perceção de que aquela é uma oportunidade única e que poderá não voltar mais!
Este receio é acionado por gatilhos mentais (é urgente…vou lá antes que esgote; é exclusivo… são ofertas únicas; socialmente comum... já há amigos que têm e outros partilham nas redes sociais a aquisição...).
Efetivamente, esta mentalidade competitiva associada à Black Friday é benéfica para as lojas, uma vez que ajuda a aumentar as vendas.
Já para o cliente, adquirir o produto por receio de ficar sem ele, nem sempre se revela uma decisão acertada.
Segundo Pedro Monteiro, consultor e psicólogo, culturalmente, existe a ideia de que somos, em Portugal, especialmente vulneráveis a descontos e promoções (o que se justifica pelo rendimento familiar).
No entanto, não existe validação científica que comprove essa teoria.
O preço continua a ser o fator prioritário para a grande maioria dos portugueses quando estão no momento de compra.
“É importante termos a consciência do efeito persuasivo que é exercido nestes momentos. Até porque o ser humano tende a considerar-se imune às estratégias de marketing, julgando que está a fazer compras orientado pela racionalidade, quando, na verdade, está a agir por impulso”.
Impõe-se, pois, o apelo a uma atitude ponderada ao invés da precipitada.
Assumir uma postura firme e consciente, questionando:
Há necessidade urgente de adquirir o produto?
Esta oportunidade é única?
É mesmo uma boa oportunidade?
Tenho margem financeira?
Responder a estas questões auxilia no processo de decisão para que esta seja mais criteriosa, sensata e realista.
Entendamos que as compras funcionam, não raras vezes, como um refúgio emocional, na tentativa de preencher um vazio emocional com bens materiais.
É ainda decisivo perceber que a felicidade momentânea proporcionada por uma compra não resolve problemas internos mais profundos.
A aquisição de produtos que não são realmente necessários ou que excedem o orçamento, só vão aumentar a ansiedade ou a culpa após as compras.
É importante estabelecer um orçamento realista, fazer uma lista de itens necessários e questionar a necessidade real de cada produto.
Estes comportamentos são fundamentais para evitar compras compulsivas.
Por fim, sabemos que usufruir da vida não se resume a acumular bens materiais.
Experiências simples a fazer o que nos faz bem e momentos passados em família ou na companhia de amigos serão bem mais aprazíveis.
Pertinente será entender por que motivo se verifica essa dependência de consumo e desenvolver estratégias saudáveis para contrariar essa compulsão.
Desta forma será possível desfrutar, sem culpa, de datas como a Black Friday sem comprometer o bem-estar financeiro, familiar e emocional.
Dra. Anabela Correia
Psicóloga Clínica
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